A luta de Jacó com o anjo também é nossa luta.
Uma
das belíssimas, não menos importantes que tantas outras, passagens
bíblicas situada no Livro do Gênesis, revela-nos a luta do Patriarca
Jacó com o anjo. Vejamos cuidadosamente o texto em questão: “E
levantou-se aquela mesma noite, e tomou as suas duas mulheres, e as suas
duas servas, e os seus onze filhos, e passou o vau de Jaboque. E
tomou-os e fê-los passar o ribeiro; e fez passar tudo o que tinha. Jacó,
porém, ficou só; e lutou com ele um varão, até que a alva subia. E,
vendo que não prevalecia contra ele, tocou a juntura de sua coxa; e se
deslocou a juntura da coxa de Jacó, lutando com ele. E disse: Deixa-me
ir, porque já a alva subiu. Porém ele disse: Não te deixarei ir, se me
não abençoares. E disse-lhe: Qual é o teu nome? E ele disse: Jacó.
Então, disse: Não se chamará mais o teu nome Jacó, mas Israel, pois,
como príncipe, lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. E Jacó
lhe perguntou e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu nome. E disse: Por
que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali. E chamou Jacó o nome
daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a
minha alma foi salva. E saiu-lhe o sol, quando passou a Peniel; e
manquejava da sua coxa. Por isso, os filhos de Israel não comem o nervo
encolhido, que está sobre a juntura da coxa, até o dia de hoje,
porquanto ele tocara a juntura da coxa de Jacó no nervo encolhido”(Gn.
32. 22-32).
Lendo
esse texto, lembro-me de uma expressão valiosíssima de Ezra Pound que
eleva a imagem da cena de qualquer escrita. Em se tratando mais ainda da
Sagrada Escritura, cabe muito bem o seu dizer ao afirmar que “é melhor
produzir uma imagem na vida do que obras volumosas”. Ou seja, ela está
enfatizando a qualidade do texto e não a sua quantidade, o que é
formidável. Depois, a luta de Jacó com o anjo representa o sinal do
homem que deseja ardentemente a Revelação de Deus; uma verdadeira luta,
cuja conquista é a visão. Jacó está lutando por uma visão de Deus. O
episódio da luta de Jacó com o anjo significa afirmativamente a busca
pelo conhecimento do Mistério da realidade; Uma busca pelo conhecimento
do rosto secreto da realidade.
Deus,
quando se revela, deixa na carne de Jacó uma ferida que é a marca de
sua presença; um marco de Deus na história de Jacó. Após a luta, Deus
muda a carne, o nome de Jacó que vai se chamar Israel. Portanto, Deus
muda a natureza de Jacó. O poder de Deus é tão maravilhoso e majestoso
que se afirma na mudança de seu servo Jacó, uma vez que vê o “sol sair”
novamente sobre ele. Tão radical é a mudança que antes não percebia
sequer o sol nascer em sua vida, agora a imagem do sol no texto quer
dizer uma mudança de percepção. A luz de Deus passa a brilhar sobre a
vida de seu servo.
O
impressionante desse texto bíblico encerrado com a conquista de Jacó -
“Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva”- é sua
capacidade de nos remontar ao Novo Testamento. Peguem pela memória. Quem
não lembra as expressões: “gerados de novo” em 1Pd. 1.3-5; “Novo
Nascimento” em Jo. 3 com Nicodemos; “Nova criatura” em 1Cor. 5,17 com
Paulo. São experiências equivalentes que nos mostram o desejo de mudança
de vida, em contextos diferentes, pois nestes Deus é já verbo encarnado
enviado pelo Pai para nos salvar. E, embora vendo Deus participar de
suas vidas, a mudança ou a conversão é rejeitada por muitos.
Infelizmente, é a experiência de inúmeros cristãos ainda hoje, após
milênios do acontecimento Cristo em suas vidas, relutam em aceitar a
Cristo como o Senhor de suas vidas.
Jacó,
diga-se de passagem, é um destemido, pois, mesmo sem o Cristo histórico
presente em sua vida, lutou incansavelmente em busca de um sinal para
descobrir o rosto da realidade, o sentido das coisas, isto é, o rosto de
Deus. A vida do homem, permitam-me dizer, consiste nesta luta para
descobrir o rosto escondido da realidade. A luta de Jacó com o anjo é
também a nossa luta para descobrir as inteligências por trás dos
sentidos. As essências por trás das aparências. O uno por trás do
múltiplo. A alma por trás do corpo. A graça por dentro da lei. A
liberdade por dentro da necessidade. A verdade por trás da mentira. O
bem ao invés do mal, a ética por trás da moral, enfim... A dignidade do
homem está na tentativa de descobrir o mistério desconhecido; o homem
anseia por uma revelação; “Qual o teu nome? Mostra-me o teu nome”; é a
pergunta de Jacó. O anjo não se revela, mas o abençoa. A bênção é sinal
da presença de Javé como também a transformação do nome de Jacó em
Israel e a ferida na coxa.
Finalmente,
o presente texto, assim como tantos outros da Bíblia, mostra
evidentemente que a Revelação de Deus é mais uma vez um fato real,
concreto e incontestável como uma ferida, sinal da presença de Javé.
Qualquer coisa agora fazia perceber a presença de Deus que o teria
alcançado e marcado naquela luta.
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